"The journey is what brings us happiness, not the destination." Peaceful Warrior/Dan Millman

Friday, August 20, 2010

Homem ao mar: brasileiro desafia o Canal da Mancha Fábio José Santos - Hortolândia/SP

Homem ao mar: brasileiro desafia o Canal da Mancha
Fábio José Santos - Hortolândia/SP - 06/08/2010 1 comentários


O brasileiro Edison Peinado Jr. desembarcou em Londres, no dia nove de julho, com o intuito de tentar uma das mais desafiadoras aventuras humanas: cruzar as águas geladas e revoltas do canal da mancha. A natação em águas abertas -realizada em rios, lagos ou oceanos - é muito mais difícil, pra não dizer perigosa, que em uma piscina. A ausência de controle sobre o ambiente apresenta uma série de problemas ao atleta, mas também proporciona uma série de emoções diferentes, impossíveis em outras condições.

Além do desafio das travessias, como neste caso, a natação em águas abertas quando tem o caráter competitivo esta inserida nos jogos olímpicos através da maratona aquática. Sua primeira prova olímpica ocorreu nos jogos de Pequim (Beijing) em 2008. Por isso, exige preparação e até mesmo questões financeiras são diferentes. No caso do Canal da Mancha, que separa a Inglaterra do continente europeu, com mais de trinta quilômetros, este obstáculo sempre foi um grande desafio aos atletas.

A primeira travessia documentada ocorreu em 1875, por um capitão chamado Matthew Webb. Desde então muitos outros vem tentando esse difícil trajeto, sendo criada até uma organização de apoio para a travessia, a Chanel Swimming Association Ltd. Historicamente sete brasileiros e sete brasileiras enfrentaram esse desafio. O primeiro em 1958 foi Abílio Couto com o tempo de 12H45.Conheça agora um pouco da história de Edison Peinado Jr, que no dia 19 de julho juntou-se a estes destemidos nadadores.

Antes, a expectativa e a certeza do objetivo

LivrEsportes: Como surgiu o seu interesse pela natação de águas abertas?

Edison: Meu interesse por águas abertas começou no ano de 2000, quando fui morar em São Francisco, Califórnia (EUA). Eu sempre tive muita afinidade com o mar, mas como sempre morei na cidade de São Paulo raramente ia para o litoral paulista. Um dia, procurando emprego, estava caminhando pelo Fisherman's Wharf, um dos pontos turísticos mais famosos de São Francisco, quando deparei com um monte de nadadores dando braçadas em uma pequena baia chamada Aquatic Park. Isso me chamou muita atenção porque sabia que as águas desse local são muito geladas. Eu não tive duvida, no dia seguinte voltei ao local de sunga, touca e óculos de natação e pulei na água. Com certeza á água estava muito fria, mas nada que eu não pudesse agüentar. Desde então comecei a nadar neste local quase todos os dias após meu trabalho. Certo dia dei de encontro com uns nadadores que também estavam nadando nessa baia protegida e eles me convidaram para ser membro do South End Rwoing Club, um dos clubes mais antigos de remo, natação e handball da Costa Oeste dos EUA. O clube e famoso pelo seu programa aquático que quase diariamente tem algum sócio nadando de Alcatraz e passando por baixo da ponte Golden Gate. A paixão de nadar por águas abertas surgiu com o tempo, uma vez que eu sempre fui nadador de piscina e alguns fatores que te fazem apaixonar por águas abertas são notórios. Por exemplo: o mar ou rio não tem cloro, não é preciso parar a cada 25 ou 50 metros para dar virada, você nunca se cansa de ver uma nova paisagem. Ou seja, o panorama esta sempre mudando e mesmo que a correnteza seja sempre um desafio extra que faz você mudar de ritmo. Além disso as ondas requerem que você seja criativo em seu estilo, as vezes nadar em águas abertas é como nadar em uma montanha russa. Há um certo grau de perigo que faz de cada travessia uma experiência nova e esses perigos podem vir de uma água viva, um leão marinho, um tubarão ou até mesmo de barcos passando do seu lado o tempo todo. O nadador deve ficar sempre alerta do que rola à sua volta.

LivrEsportes: E pela travessia do Canal da Mancha?

O interesse de atravessar o Canal da Mancha nasceu em 2002 e apareceu minutos depois de eu ter atravessado esse mesmo canal com integrante de uma equipe de 6 homens. Na ocasião eu tive a oportunidade de nadar a primeira, a sétima e a décima terceira horas para chegar na França, sendo que cruzamos o canal em 13h03 em um time composto por 4 americanos, 1 chileno e eu. Assim que terminamos a travessia e pulei no barco indo de volta para a Inglaterra, olhei para trás e um pensamento passou pela minha cabeça: Será que eu conseguiria atravessar sozinho? Estava ai o desafio que subconscientemente havia sido implantado em mim.

Quais as diferenças entre a travessia realizada em 2002 e esta, solo?

A travessia em 2002 foi de revezamento. Naquela ocasião eu nadei a primeira hora e descansei 5 horas no barco. Depois nadei a sétima hora e descansei mais cinco horas e, por fim nadei a décima terceira e última hora dessa aventura. Na travessia da semana que vem terei completá-la toda sozinho, sem poder tocar no barco e só parando por 30 segundos a cada 30 minutos, quando poderei parar para me alimentar, sempre sem jamais tocar na embarcação.

LivrEsportes: Quais foram as etapas de preparação?

Foram dois anos de preparação. O primeiro ano foi de preparo físico geral. Para isso me participei do Iroman Florianopolis 2009.


O esforço da travessia e a satisfação do desafio vencido

Alguns dias após a travessia, a LivrEsportes entrou em contato com o nadador novamente, para concluir o relato de sua aventura.

As condições climáticas favoreceram?


As condições climáticas foram perfeitas uma vez que dias antes da travessia tinha passado uma frente fria e depois de alguns dias o tempo estava ideal para nadar. Estava um dia perfeito.

E seu preparo físico, lhe proporcionou o desempenho esperado?

Sim. Eu estava muito bem preparado fisicamente e mentalmente. Os meus treinos foram muito desafiantes uma vez que como piloto de linha aérea, 60% de meus treinos foram feitos literalmente amarrado nas piscinas de hotéis, uma vez que elas eram muito pequenas. Como você pode ver no vídeo que está no Youtube (em inglês) , durante minhas estadas em hotéis este era o único jeito para eu continuar treinando e manter minha forma para enfrentar os treinos chaves no mar. Mesmo assim nos meus dias de folga meus treinos chegavam a ser de 10 horas na água a fim de que eu atingisse a quilometragem necessária.

Sobre sua equipe de apoio, como foi o entrosamento?

Minha equipe de apoio foi muito importante para mim e eu não teria conseguido o sucesso que tive se não fosse o apoio deles. Eles não tiraram os olhos de mim durante as 12:29 Horas de travessia, fornecendo minha alimentação a cada 30 minutos, contando minhas braçadas, corrigindo meu estilo, e torcendo por mim o tempo todo. Dedico essa travessia especialmente para eles. Nenhum campeão chega ao pódio por ele mesmo, por mais que ele tenha cruzado a linha de chegada sozinho. Atrás de um bom atleta ha sempre uma equipe de apoio melhor ainda.

Qual a emoção após cumprir o desafio?

A emoção e muito grande. Ainda tenho arrepios e choro de alegria quando paro e penso no desafio que foi superado. Foram dois anos de muito trabalho, empenho e amor a natação. Se pudesse voltaria no tempo e faria tudo de novo. Este conquista levarei comigo pelo resto de minha vida.

Quais seus planos? Outro percurso? Ou brincando com sua profissão um "vôo" mais alto?

A principio quero perder os 10 kg que ganhei, ganhar um pouco da velocidade que perdi e me focar a outras provas de águas abertas como, por exemplo, as provas de 10 km.

Edison termina agradecendo as pessoas que o ajudaram, se esforçando para não esquecer ninguém, ao melhor estilo brasileiro.

Foi a travessia de minha vida, devo o sucesso dela a muitos fatores que incluem a seriedade com que enfrentei meus treinos, minha forca mental para superar a dor e o frio, a habilidade do barqueiro em me navegar pelo canal mais movimentado do mundo, a ajuda financeira que minha família e meus amigos me ajudaram para que eu pudesse pagar por este sonho e o mais importante foi o impecável apoio que meu time me deu a cada minuto desta travessia. Gostaria de agradecer o South End Rowing Club, um dos clubes mais antigos de Remo e natação de águas abertas de San Francisco, pela ajuda com os meus treinos e a ajuda financeira. A meus pais e minha esposa pela ajuda e apoio durante toda essa aventura. Ao meu pacer, o nadador Gary Bruce, que pulou na água diversas vezes para impor um ritmo bem competitivo na travessia fazendo que eu nadasse mais forte. E ao Clube ESPERIA, especialmente aos técnicos de natação Helio Gori e Antonio Carlos Tuechiari, Peninha.


A travessia

Um pequeno resumo de um grande feito, um dos maiores desafios da natação de mar aberto, a travessia da mancha é um desafio para poucos.

Dia 18 de Julho de 2010: Às 19h, o nadador brasileiro Edison Martos Peinado Jr recebeu a confirmação para sua travessia para o dia seguinte, dia 19 de Julho, às 5h30 pela pequena praia Shakespeare Beach, sul de Dover, Inglaterra.

19 de Julho às 5h15: a bordo do barco Vicking Princess o nadador juntamente com sua equipe de apoio; seu “pacer” ou “coelho” (nadador que auxiliar, que ajuda a manter o ritmo), Gary Bruce e os 2 pilotos do barco, os irmaos Brickell, seu pai Edison Peinado, sua esposa, Kimberly Howard e um juiz do Channel Swimming Association, para homologar toda a travessia, foram para a orla marítima Inglesa, a 50 metros da praia, de onde o nadador pulou e nadou até a areia, saindo completamente da água para iniciar a travessia conforme o regulamento.

5h35: todo coberto de lanolina para proteção contra as águas geladas do canal, equipado com uma touca de borracha, um par de óculos de natação e vestido de somente um maio, o nadador pulou na água, dando as primeiras braçadas rumo a Franca.

5h35 a 8h35: Edison descreve as primeiras dificuldades, “As três primeiras horas foram muito difíceis, uma vez que senti fortes dores no pescoço devido a um nervo encavalado que eu tinha e vinha tratando ha 3 meses, mas voltou a doer 2 dias antes da travessia”. Mal conseguindo virar o pescoço para direita ou para a esquerda para respirar, por isso meu ritmo caiu para menos de 40 braçadas por minuto, (meu ritmo normal é de 45 a 55 braçadas por minuto), deixado todos no barco muitos preocupados. “Em conseqüência disso a temperatura de meu corpo passou a esfriar devido a eu estar nadando mais devagar do que meu ritmo normal. Em uma de minhas paradas para alimentação, deixei meu time de apoio a par do problema e eles me deram 2 comprimidos para dores aliviando minha dor.”

9h: “Da terceira para a quarta hora, meu pacer pulou na água para me “puxar” e consegui aumentar o ritmo de braçadas.

10h aproximadamente: “Com 6 horas de travessia eu comecei a me sentir melhor e mais aquecido. A alimentação planejada foi me dando mais forca e finalmente a dor no meu pescoço desapareceu. No meio do canal percebi que a travessia era tangível devido a costa francesa estar mais visível a cada braçada que eu dava. Isso me deu um motivo a mais e com isso passei a nadar mais eficientemente mantendo um ritmo de 48 braçadas por minuto.”

14h: “Às 9 horas dentro da travessia eu estava a 3 km da costa francesa. Mas e exatamente neste ponto que a travessia começa uma vez que a maré muda e você passa as próximas três ou quatro horas tentando chegar à praia. Eu estava ciente disso uma vez quando eu participei do revezamento em 2002(ver primeira parte da entrevista) aconteceu exatamente o mesmo. O nadador esta a 3 km da praia e a correnteza o leva paralelamente a costa por horas até que o movimento de água diminui e fica possível chegar a praia. Ciente do que estava acontecendo eu continuei nadando calmamente, fui me alimentando a cada 30 minutos e com a ajuda do barqueiro, que me navegou impecavelmente eu comecei a cruzar a maré diagonalmente para tentar chegar a praia. “

17h: ”Às 12 horas de travessia o Cap Griz Nez (é o ponto geográfico mais ocidental da França e mais próximo da costa da Inglaterra, aproximadamente 30 km) já se fazia bem presente em frente a mim e aos poucos fomos chegando à orla francesa. Meu time de apoio estava indo a loucura de emoção e alegria. Finalmente a 1000 metros da praia e já livre de qualquer correnteza o comandante do barco pediu que seu irmão, Ray Brickell, abaixasse o bote para poder me acompanhar ate a praia devido à profundidade ser muito rasa e o barco pesqueiro não poder avançar mais em direção a terra. Assim que eu vi o bote na água eu sabia que a travessia estava garantida. Eu comecei a nadar mais rápido ainda.

17h29:
“Finalmente eu comecei a tocar a areia com os meus dedos a cada braçada que eu dava, e aos poucos a praia foi dando pé e as 12:29HS eu estava de pé em solo francês. A praia que eu cheguei fica entre Cap Girs Nez e pequena cidade francesa chamada Wissant. “